top of page

Oh, o Horror!

Foto do escritor: Mister DovahMister Dovah

Você aperta os botões do teclado e os solta à medida que ouve um estalo, um sussurro, uma batida. Tudo o que existe na sua mente concentrada é uma realidade em que você não se encontra, mas somatiza seus efeitos. Tanto é verdade que exita em apertar o botão de ação, muda a postura na cadeira e dá algum espasmo no corpo quando algo esperadamente inesperado salta na tela. Você está em estado de imersão.

O percurso em que isso se desenvolve necessita de uma ambientação muito específica que, dentro do worldbuilding, evoca do designer elementos semióticos que competem para alterar o estado mental e emocional do jogador, seja pré ou pós a apresentação do grotesco clímax narrativo. É aí que dois conceitos, tidos como sinônimos, entram em ação.

Criar uma atmosfera de horror com eficácia não é fácil. Sons e imagens competem para isso, além de outros elementos responsáveis para prender a curiosidade do jogador até a solução do conflito. Este texto não é para tratar sobre como criar essa atmosfera, mas para analisar como jogos alcançaram isso a partir de detalhes importantes.

Terror e Horror são gêneros literários que acompanham a criação artística da humanidade desde os primórdios, bem como o Drama, que não será estudado agora. Você sabia que Terror e Horror possuem uma nuance de significado? Vamos ver dois exemplos de parágrafos narrativos criados para este artigos e depois para um conceito científico:


  • Felipe caminha lentamente pela casa. A porta se abriu sem mãos que a puxassem e fechou-se repentinamente com sofreguidão. Aquela escuridão toda guardava a promessa de uma falange inteira de espíritos espectadores de sua desgraça. Passo a passo, ele mergulhada em um abismo cada vez mais escuro longe das frestas da janela. Chão rangendo, ar sufocante, passos...

  • Felipe abre a porta da cozinha e vê um rato gigante devorando sua vizinha. A mulher, já morta, sentada à mesa, desistente da vida, enquanto o animal assombror raspa com seus dentes a carne de seus ossos. Entre uma mordida e uma lambida, vira seus olhos para Felipe com um misto de provocação, deboche e convite. Momentos depois, empurra o cadáver para trás, que cai no chão de costas e a cabeça se desprende do pescoço.


Observe que em nossa narrativa Felipe, o protagonista, vivencia dois momentos de tensão no ambiente: no primeiro parágrafo, ele é submetido a uma promessa de assalto, o que lhe alimenta o medo sem descortinar a origem. Nesse caso, Felipe vivencia o TERROR. No parágrafo seguinto, há a exibição do grotesco, da fonta das sensações anteriormente sentidas, com a visão do corpo e do monstro. Nesse caso, Felipe vivencia o HORROR.

A separação acima é inspirada na fala do escritor especialista no assunto Devendra Varma, que, em seu livro THE GOTHIC FLAME afirma:


“A diferença entre Terror e Horror é a diferença entre a terrível apreensão e repugnante compreensão: entre o cheiro da morte e tropeçar em um cadáver”.


Semelhante a isso temos a contribuição de Stephen King que traz o Terror como a sensação psicológica de medo e o Horror como a reação ao que causava medo.

Portanto, temos algumas hipóteses para refletir:

I) O Terror e o Horror andam juntos? - Sim. Eu diria que um impacto horrorizante bem sucedido depende de uma promessa aterrorizante bem construída. Lembre de jogos como Resident Evil I. A mansão é apresentada, o cenário caótico e assustador engole o jogador, ruídos e mistério sem saber o que causou o desaparecimento da equipe. Isso é Terror. Em dado momento, o jogador abre uma porta e se depara com um zumbi devorando um componente da equipe. Isso é Terror, pois o grotesco que envolve a narrativa se mostrou. É por essa razão que filmes como os da saga Terrifier chegam a ser cansativamente repulsivos: o horror toma conta de tudo com muita morte, sangue e esquartejamento sem motivação, o escatológico para até uma personagem de tão presente que é.


II) O Terror tem um pouco de Suspense? Sim. Se fossem parentes seriam primos. O Terror é aquela corda bamba de que algo muito ruim vai acontecer e é exatamente isso que se espera.


III) O elemento jumpscare é necessário? Não. É um momento de quebra de expectativa em que se transita o Terror e o Horror, deixando o jogador com a sensação de imediatismo de reação. Cuidado com o excesso dessa ferramenta, pode levar à monotonia e isso afasta o jogador da imersão.


Meu interesse pelo terror se deu por conta do projeto que construí em 2024 chamado Terra-Meio, no qual pude explorar essa veia de construção ainda muito rasa no meu gamedev. Mas, seguem alguns outros sucessos de RPG Maker para degustação:


1- ALONE: um game simples, curto e até clichê. Narra uma noite inesquecível (e dependendo do final, a última) de Yeongchul, um jovem que retorna do trabalho e pretende falar com sua namorada antes de dormir, porém descobre que algo está errado quando percebe que não é com ela que ele fala e passa a ser perseguido por uma presença estranha. O jogador deve, então, investigar o apartamento em busca de pistas e, em oito minutos, se defender da ameaça. Para tanto, o jogo dispõe um sistema de stamina e insanidade que são consumidos nos erros e acertos da investigação.



2- OUIJA SLEEPOVER: a premissa é também simples, basicamente um jogo de fuga. Aiden e Dan são dois rapazes que vão ter uma noite romântica enquanto a roomate de Aiden não está em casa. Nessa noite, Aiden encontra um tabuleiro de Ouija e decidem jogar. Como resultado, ambos são teleportados para uma dimensão umbralina do prédio em que estavam e devem escapar de uma terrível presença enquanto descobrem algo muito tenebroso do local.



3- O Site Zero Corpse: mergulhem em uma galeria de jogos legacy de RPG Maker da era de ouro do 2d. Super indicado para quem quer explorar essas obras.


Se quiser ler um artigo sobre o assunto, sugiro este.





Nos vemos em novas postagens.




2 Comments


Felipe Lopes
Felipe Lopes
há 4 dias

Texto primoroso, como de costume! Confesso que apesar de saber que existia diferenças entre os gêneros, nunca de fato pensei quais seriam elas. Você abriu minha mente!

Like

vallek.dev
vallek.dev
há 6 dias

Mais uma matéria muito boa, Mister. Eu já havia escutado que existiam algumas diferenças entre os gêneros terror/horror, mas não sabia pontuar quais. Com certeza agora isso ficou muito mais claro para mim. Muito obrigado por sua dedicação em aprender e a vontade genuína de compartilhar o que sabe.

Like
bottom of page